Flavio Morgenstern
Língua morta - Livros velhos, metafísica mofada, linguagem ultrapassada, guerra e fim do mundo.
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Quid est veritas? - Eles negam a verdade e te chamam de “fake news”

Por 
Flavio Morgenstern
19/4/2022
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Regra simples para entender o mundo moderno: todo mundo aqui está empenhadíssimo em uma estrovenga chamada pós-modernismo, ainda que não saiba o que cazzo é isto (em verdade, quanto menos você souber, mais fanaticamente vai defendê-lo).

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O pós modernismo é a transvaloração de todos os valores nietzscheana, a revolta suprema contra a realidade, a supremacia das palavras, da forma e do discurso sobre a verdade. Todo pós-moderno acha que pode apenas afirmar que o verde é azul, que a grama está no céu, que funk é música, que o Brasil faz fronteira com o Chile e voilà: logo veremos o pós-modernista entrar no banheiro feminino com a jeba de fora, cantando “Alô, alô, W/Brasil” com um livro da Márcia Tiburi embaixo do braço.

Ora, seria fácil ignorar os pós-modernistas, que são basicamente o estágio imediatamente anterior ao crack. Mas os crackeiros possuem a virtude de não determinar as políticas mundiais (aquele prefeito da Cracolândia à parte). De fato, todo pós-moderno tem por cavalo de batalha e regra de vida ter saído do movimento anti-manicomial depois de ler “História da Loucura” do Michel Foucault. Sempre existiram pós-modernos, mas antes tacavamo-nos no hospício e vida que segue. 

Hoje, eles estão em organizações transnacionais definindo que as políticas de vida devam ser definidas por eles, e que se o povo vota o contrário, o povo é antidemocrático e precisa ser calado, censurado, vigiado, controlado e ter sua privacidade violada proctologicamente em nome da democracia.

Basta reparar como artistas e intelectuais quase sempre foram bajuladores do poder desde a Antigüidade: Aristófanes condena Sócrates a tomar cicuta para conseguir uns encômios de Atenas, e o que mais nos veio do cancioneiro medieval, quase sempre iletrado, foram cantigas para adular algum rei quando queria uma guerra impopular ou era flagrado com uma sirigaita numa alcova mal iluminada. 

Hoje, quem sempre ganha destaque são músicos de massa e poetas que não dizem coisa com coisa, e que são sempre chamados para defender políticas de alcance transcontinental. Quanto mais alguém com um violão na mão parecer ter fumado adubo estragado e quanto mais dano causar em jovens, maior a chance de fazer propaganda para alguma norma de padronização universal de comportamentos e substâncias da ONU.

Nós também já somos calejados nesse tipo de ditador que fala em nome do povo e que tem QI de ostra estragada. O século XX os conheceu aos borbotões. O que tem sido uma novidade terrível é que os mesmos caras que negam a verdade, que pregam um relativismo absoluto não apenas sobre tolerância de culturas, mas sobre o próprio conceito de verdade - e o próprio conceito de lógica para se tentar tatear tal verdade - estes mesmos negacionistas hoje falam em nome da… ciência. E chamam justamente as pessoas mais racionais, inteligentes, sábias e cultas - como nós - "de negacionistas".

A ciência de canal "nerd" e espectadores de Big Brother

Hoje, quem mais fala em ciência são jornalistas e youtubers infanto-juvenis. Uma turma que passou no vestibular chutando tudo "C" nas provas de Exatas (como 90% de quem faz Jornalismo), que acha que "balanceamento químico" tem algo a ver com pureza da maconha, acha que ECR duplo-cego multicêntrico é festa com dark room (abusando do eufemismo) e acredita que Galileu foi condenado pela Igreja por dizer que a Terra não é o centro do Universo (o que já era idéia corrente um século antes, mas, enfim, Idade Média, tudo a lesma lerda). 

Os ídolos científicos dessa camorra não são os típicos cientistas - quase sempre anti-sociais, com poucas habilidades sociais, falando coisas difíceis, alheios à politicagem e à boa parte da vida comunitária. 

Pelo contrário, o que chamam de "cientista" no sábio mundo do Twitter são autores preocupados em tentar falar de método científico na Bíblia ou uns fracassados que até anteontem comentavam super-poder de super-herói da Marvel em canal "nerd", e do dia para a noite, plagiando modelo fraquejado do Imperial College, foram alçados à condição de "especialistas" em catástrofes mundiais, tachando de "fake news" (o termo da modinha) qualquer um que não tenha espaço na mídia pra repetir a mesma cantilena que ele.

Por que logo tais formas primitivas de vida falam tanto em ciência pra cá, ciência pra lá?

A resposta pode exigir alguma teoria lingüística de fundo, mas podemos resumi-la. Tais seres de pensamento binário e platiforme apenas repetem palavras goebbelsianamente para causar um efeito conhecido da retórica antiga: o efeito psicológico evocado pelas palavras, sem nenhum conteúdo objetivo.

Ora, tente conversar sobre ciência com qualquer - repetindo: Q-U-A-L-Q-U-E-R - proto-cientista desses, cujo vocabulário é recheado, coberto e entupido de termos da moda, como "fake news", "negacionista", "fact-checking", "duplo cego" (esse é divertidissimo, já que parece fonte de autoridade, como chamar o irmão mais velho, mas raros sabem explicar sem revelarem-se ridículos), e veja se o infame sabe algo básico sobre método científico. Se sabe mesmo o que diabos Karl Popper quis dizer com "falseabilidade". 

Ou melhor, sabe algo sobre ciência. Qual a diferença entre positivismo, realismo e pragmatismo. À qual escola científica mais se aproximam Einstein, Bohr, Heisenberg, Feynman, Fremiet. Se é verdade que todo biólogo é darwinista. Se sabe qual a diferença entre a metodologia científica de Popper, Kuhn ou Feyerabend, só pra ficar nos famosos (e Feyerabend sozinho faria 102% do que sai na mídia com o rótulo de "ciência" ir direto para o lixo não-reciclável). 

Uma pergunta idiota de simples, como "matemática é uma ciência?", ou "podemos averiguar a eficácia de uma política de saúde com cinco obrigações tiranicamente impostas, sem isolar as próprias medidas em si para saber o que piora e o que melhora?", faz com que até os cientisteiros de Guia do Mochileiro das Galáxias virem pó estelar.

Ou seja: cada espertalhão que maratonou Big Bang Theory sem rir das piadas científicas, mas se achando super cool por entender as piadas com super-heróis da DC Comics, apenas posta "I fucking love science" porque tá na modinha, mas só entende mesmo é de sabre de luz de Star Wars.

Mas falar "ciência" causa um efeito maravilhosamente delicioso de "eu sou o dono da verdade e não preciso discutir ou provar" que beira a psicopatia. Simplesmente pelo efeito psicológico da repetição em câmara de ecos da palavra "ciência".

Vejamos estes casos reais:

https://twitter.com/yuucaslovebot/status/1514038412344532996
https://twitter.com/_briuna_/status/1507385221192294406
https://twitter.com/JooBgi/status/1507442552466817027
https://twitter.com/bbcbrasil/status/1505991660773249025
https://twitter.com/lucianekss/status/1506071897796194306
https://twitter.com/curglaffjr/status/1504603413744701448
https://twitter.com/BaroAM20/status/1504549358129319939

Isto sem falar em uma grande sumidade brasileira que afirmou que "incentivar posições anticientíficas" (sic) não estaria protegido pela liberdade de expressão. Vá lá que ele é amigo de um certo médium acusado de estupros, extorsão e lavagem de dinheiro, mas… tudo científico. 

Ainda ficamos indecisos se fenômenos no limiar da ciência, da mesma forma que "sentir" alguém te olhando por trás e ter mesmo alguém te vendo (alguém consegue explicar?), enfim, se pessoas usuárias de florais de Bach, acupuntura, homeopatia e chá de camomila (além de membros de grupos placebo) deveriam ser, presas, proibidas de falar, tratadas como inimigas públicas número 1, usar tornozeleira eletrônica e serem proibidas de dar entrevistas, tudo em nome da tal democracia e da ciência (é sempre engraçado e temível imaginar uma interseção entre os termos). A um só tempo, perguntamo-nos democraticamente se alguém afirmar, ou melhor, ameaçar tal visão é protegido pela liberdade de expressão e pela Constituição, ou qual o artigo da Carta Magna que dá tal poder a… bem, ao próprio honrado cidadão que afirmou tal coisa. Ou foi algum espírito encarnado pelo médium seu amigo que aventou tal hipótese?

Mas, claro, ninguém acertou mais nessa quizomba sobre ciência do que Fefito, que na Jovem Pan afirmou que temos uma visão de Biologia definida pela Igreja Católica. De Mendel a Kenneth Miller, passando por Joseph Murray, não há como discordar.

Como se vê, tudo o que falam tanto em nome da autoridade da ciência é ideologia, política ou mesmo a implantação da histeria coletiva por uma narrativa apocalíptica (e irreal; existe ciência da irrealidade?). Afinal, a palavra ciência parece significar "comprovado, sério, testado, ultra-racional" - ou seja, uma palavra que, devidamente estuprada, pode significar "obedeça e não questione". Exatamente o contrário do que uma ciência de rigor tem como pressuposto e dever.

Os científicos XY e XX

Mas quer ver a festa científica do caqui acabar, e todo mundo voltar ao relativismo mais Folha de S.Paulo? Basta conduzir o assunto para a dicotomia mais fundamental da humanidade, que todos sabiam desde Adão e Eva - mais exatamente desde em que Adão, sozinho, perguntou: "O que eu faço com esse troço?!"

Falamos, é claro, do assunto preferido da chusma cientisteira, que são trosobas.

Basta o assunto incluir aquilo que nem precisa de estudos científicos para serem apreendidos - os mangalhos - para todo mundo dizer que não pode afirmar que algo é algo só porque cientificamente é algo, mas que pode ser outra coisa.

Nessa hora, saímos imediatamente do campo da invocação da autoridade de Exatas (ninguém entende nada mesmo) para retornar ao laxismo foucaultiano pós-moderno de Humanas e pós-estruturalista em que o significante importa, e não o significado.

Aqui, XX vira XY por auto-declaração. Biologia vira fascismo. Testosterona não importa para esportes, embora doping com muito menos hormônio renda desclassificação. As únicas questões de Biologia que esses jornalistas conseguiam acertar no vestibular vão diretamente para o cazzo (que agora pode ser um cazzo fêmeo). 

Porque quando alguma coisa dita em forma de artigo científico corrobora a militância, aí deve ser obrigatória e usada para instaurar a ditadura nossa de cada dia nos dai hoje. Mas quando vai contra uma teoria da conspiração retardada como a "ideologia de gênero", cujo nomen est omen, aí às favas o "obscurantismo cientificista" (os ideólogos do futuro nazismo, ainda no século XIX, como Paul de Lagarde, Julius Langbehn e Moeller van den Bruck, já pretextavam contra a "tirania da razão", em prol da vontade). Afinal, seria "xxxfóbico" esfregar a dura realidade na cara e nos bagos de quem tem uma vontade de ser chamado de Napoleão - ou Napoleona.

Dostoievsky afirmava que não há filosofia que resista a uma dor de dentes. A era do progressismo mostra que não há ciência que resista a um chute no saco na prova feminina de muay thai.

A verdade é que hoje ninguém mais se interessa por ciência - que é maçante, esquisita, cheia de modelos para tentar entender fenômenos não observáveis a olho nu, como os vírus. Todo mundo se interessa por jornalistas ideólogos que, depois de caírem em descrédito, aprenderam a falar em nome da ciência. Sem saber a diferença entre um gameta e um zigoto. 

Por que devemos tratar jornalistas como arautos cósmicos, e não como péssimos estudantes passando vergonha em público, como deveríamos tratar?

Nesta toada, identificamos uma miríade de outras palavras que ninguém usava há 5 anos, e da noite para o dia (não contém exagero) passaram a ser tratadas como os maiores perigos à humanidade ou a panacéia a todas as nossas mazelas: fake news, transfobia, fact-checking, negacionista (e poucos outros: nunca a humanidade teve um vocabulário tão reduzido). Todas essas palavras querem silenciar o debate, impor uma narrativa oficial, chancelada por celebridades, e impedir discussões.

Como celebridades são os novos arautos em uma sociedade de massa, testemunhamos alguém poder afirmar que vão morrer 3 milhões de pessoas no Brasil até agosto de 2020 se não "fecaharmos a porteira como a China" (sic), e no momento seguinte fazer propaganda contra fake news para o TSE, enquanto fixa em seu perfil mensagens contrárias a um candidato. Tudo muito democrático e científico. 

E a fake news? Bom, é só apagar o vídeo, ignorar (como o fez dizendo que "provaram a ineficácia" de um certo medicamento, e ao invés de corrigir ao apontarem que o estudo dizia o contrário, simplesmente apagou e mudou de assunto, os trouxas que continuem acreditando) e pronto: a câmara de ecos da celebridadosfera vai ignorar também.

Imposturas em nome da ciência não são novidade. Pelo contrário, podemos dizer que a modernidade surge de diversas delas. Olavo de Carvalho era famoso, quando o debate médio brasileiro tinha QI em torno de 62, e não 61 como hoje, por ter criticado Newton. Seus detratores, com uma cultura inferior ao Mundo de Beakman, achavam que Olavo negava a lei da gravidade (sic), quando a crítica de Olavo era justamente por Newton se interessar muito mais por alquimia (e, ehrr, astrologia - oh, ironia!) do que por ciência. 

Já em termos "pós-modernos", a comunidade de extrema-Humanas mundial também teve de abafar o caso do matemático e físico Alan Sokal, do University College of London e da New York University. Pegando livros de Foucault, Derrida, Althusser, Barthes, Baudrillard e outros queridinhos da intelectualidade, Sokal mostrou como sempre citavam conceitos científicos sem fazer a mais puta idéia do que queriam dizer (é comum hoje acreditarem que a idéia de "11 dimensões" de Hawkings sejam universos "espirituais", por exemplo, e não pontos para resolver equações quânticas). Sokal foi cancelado e… la nave va.

O que estamos vivendo hoje não é ciência: é a era mais mística, crédula, tapeável, supersticiosa e de pensamento mágico que a humanidade já teve. Troca-se o "abracadabra" por "qual a sua fonte" e veja o resultado. 

E falamos de pessoas que negam a verdade abertamente - nem com escrúpulos como o dr. Krakowski d'A Montanha Mágica de Thomas Mann, que passa de explicações "científicas" freudianas sobre sexo até a brincadeira do copo, mas com uma logorréia empastelada para engabelar os trouxas. Ou a ridícula ilha de Laputa das "Viagens de Gulliver" de Jonathan Swift, onde todos pensam e agem "cientificamente" - ou, como está na moda no Brasil, "iluminista".

Hoje, nega-se a metodologia e fica-se com a verborragia. O truque é tão bocó quanto a repetição hipnótica (notou quantas vezes falamos "ciência" nesse artigo? é ainda menos do que o vocabulário de 500 palavras da ciência de Twitter). Tudo com uma retórica histérica: repete-se bordões, palavras de forte impacto psicológico, indo de "negacionista" e "anticientífico" até "antivaxx" e "genocida" (todos varridos para a vala comum das pessoas "sem razão") e considera-se a narrativa da mídia como sinônimo de verdade, sofisticação intelectual e ciência. Nós, sábios, sabemos o que é um apelo à autoridade constante, mas a mídia pode nos ignorar tranquilamente. E se a mídia erra, apaga-se (como a revista Super apagou uma certa capa até de seu acervo digital) e voilà.

Em seu julgamento, Jesus Cristo foi entregue a Pôncio Pilatos, que percebe que o homem não cometeu crime nenhum. Mesmo assim, Pilatos prefere a fúria da turba (a mesma que havia recepcionado Jesus como rei em Jerusalém poucos dias antes, no Domingo de Ramos) do que a verdade. E se pergunta: "Quid est veritas?" (O que é a verdade?). Curioso como a palavra ciência está tão na moda, e a palavra verdade soa tão… ultraconservadora.

É possível ter um pensamento hierarquicamente estruturado para tatear a verdade com conceitos móveis, vaporosos e fanáticos como "acredite na ciência"? O melhor silogismo do mundo vai antever alguma verdade com os conceitos megalomaníacos do debate atual, ou toda essa orgia palavrosa só gera controle de pensamento e totalitarismo?

Responda você, leitor. Senão vão me cancelar em nome da ciência e da democracia.

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