Porque é muito importante para a resolução de um crime saber em quem o criminoso votou...
Na última semana, um assunto tomou conta das conversas e mesas de bar por todo o Brasil. Se você não vive enclausurado em um mosteiro, é provável que tenha tomado ciência do grotesco episódio envolvendo uma mulher grávida em trabalho de parto e um médico anestesista numa sala de cirurgia.
Como se não bastasse o crime repugnante, prints e mais prints rolaram dando início a uma guerra ideológica bizarra.
Páginas de esquerda orquestraram postagens linkando o estuprador à direita bolsonarista.
Como resposta, canais de direita afirmaram que isso não passava de uma mentira, e que o criminoso, na verdade, era petista e seguia páginas de esquerda.
Hoje resolvi escrever sobre algo que sempre me incomoda quando absurdos como esse vêm à tona na mídia: a torcida organizada criada para politizar todo e qualquer crime no Brasil.
Assim que o crime ocorreu, rapidamente milhares de pessoas correram para divulgar uma informação importantíssima: Em quem o estuprador da mulher grávida votou.
Penso que esse seja o principal questionamento da equipe policial ao investigar um caso, muito antes de saber quem é a vítima, quem é o criminoso, qual a motivação do crime etc.
Já consigo imaginar o delegado de polícia pedindo para apurarem se no Twitter do sujeito tem alguma hashtag Lula livre ou Bolsomito.
Afinal, somente o eleitor de você sabe quem seria capaz de tal ato.
“Tinha que ser eleitor dele, nunca falha...”
Impressionante como essa frase pode ser (e é) utilizada por ambos os lados para justificar o injustificável.
A verdade é que você aí que correu para postar que o maníaco pornográfico era petista ou bolsonarista não tem como provar nada.
“Ain, mas e o print da foto de perfil com o 17?”
E daí? Quem te garante que não é montagem?
“Ain, mas eu vi um vídeo que prova que ele na verdade era petista!”
Ah, é mesmo? E a sua melhor fonte é um canal de apoio ao mito?
Pelo amor de Deus, meu povo! Parem com essa punhetação mental!
Não tem como saber quem começou essa onda. Não temos como afirmar nada. E ainda que tivesse uma origem clara e eu chegasse aqui batendo o martelo “É PETISTA!” ou “É BOLSONARISTA!”, no que substancialmente essa informação ajudaria?
Prestem atenção: um profissional da saúde, que deveria prezar pela integridade e vida das pessoas, enquanto um bebê nascia numa sala de parto, aproveitou-se da sonolência da mãe (por ele sedada) para, atrás de um pano verde e a poucos centímetros do restante da equipe cirúrgica, tirar seu pênis para fora e colocá-lo na boca da paciente desacordada.
Leia o parágrafo anterior novamente.
Agora leia uma terceira vez o mesmo parágrafo.
Ele te gera, no mínimo, um certo desconforto. Talvez repulsa, nojo, raiva, ódio, tristeza ou todos esses sentimentos juntos. Não dá para passar indiferente após tomar ciência da cena.
Agora dotado de suas plenas faculdades mentais, me responda com sinceridade:
1 - QUAL A IMPORTÂNCIA EM SABER EM QUEM ESSE MONSTRO PRETENDIA VOTAR?
2 – POR UM ACASO, A PENA DELE DEVE SER DIFERENTE POR CONTA DISSO?
3 – QUE SANHA DOENTIA É ESSA DE VOCÊS QUEREREM POLITIZAR TUDO?
Por mais que você adore usar seu desafeto político como bode expiatório para justificar um crime e alimentar seu ego nas redes sociais, na maioria dos casos, essa relação não existe.
É tão real quanto colocar a culpa no machismo estrutural, no patriarcado, na cultura do estupro, na branquitude eurocêntrica, no buraco na camada de ozônio...
A culpa é individual, não da sociedade. O criminoso é sempre um ou mais indivíduos, não um ente abstrato e genérico.
A faca não entra sozinha no corpo de alguém.
Armas não disparam contra pessoas.
O machismo não estupra ninguém.
Chame as coisas pelo que elas realmente são. Dê nome certo aos bois!
Isso me lembra aquelas manchetes clássicas de jornal: “Caminhão atropela e mata 5 em Curitiba”.
Das duas, uma: ou o caminhão é o Optimus Prime, ou algum motorista bêbado cometeu um crime.
Por mais que eu curta uma ficção científica, fico com a segunda opção, que me soa mais realista.
O perigo começa justamente quando transferimos a responsabilidade, que deveria ser individual, para uma culpa coletiva.
"Não é todo homem, mas é sempre um homem.".
“Todo homem é um estuprador em potencial.”.
Ignorando, claro, todos os casos de crianças que foram aliciadas e abusadas por mulheres – e que não deixaram de existir por serem uma minoria.
O fato de ser homem, mulher, branco, negro, baixinho, gordinho, aleijado, trans, ciborgue, flamenguista, samambaia ou pinguim de Madagascar é irrelevante, percebe?
“Ain mas ele é apoiador do político X...”
E se ele fosse apoiador do político Y, a pena deveria ser outra? Deveríamos passar pano então só porque ele está do “””nosso lado”””? - com muitas aspas, por favor.
O tal médico anestesista, se é que podemos chamá-lo assim, é um criminoso que deveria ter suas bolas arrancadas e ser obrigado a ingeri-las no café da manhã, além de passar o maior tempo possível na cadeia, de preferência numa cela minúscula lotada de grandalhões que adorariam fazer uma brincadeira paz e amor com seu traseiro todas as noites ao longo dos anos. E isso porque estou pegando leve.
Petista ou bolsonarista, esse é o mínimo aceitável para um monstro dessa estirpe.
Fica aqui meu pedido: pare de dar tanta importância para abstrações irrelevantes e comece a enxergar a realidade que o cerca de forma mais objetiva.
Ou vai acabar culpando a sociedade, o comunismo, o neoliberalismo, o machismo estrutural, o patriarcado, a gordofobia e o racismo pelos crimes cometidos única e exclusivamente por aqueles que são os verdadeiros culpados: os indivíduos.