Guilherme Freire
O que há de errado com o mundo?
O que há de errado com o mundo?

Não há mais salvação para o Oscar

Por 
Guilherme Freire
28/7/2022
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O Oscar sempre foi a principal cerimônia de premiação do cinema internacional. Ele foi lançado pela academia americana, grupo que reúne pessoas que trabalham na indústria cinematográfica.

Como a indústria norte-americana sempre teve uma influência global, o Oscar acabou se projetando como a grande premiação do cinema.

No entanto, ano após ano o Oscar vem perdendo relevância. Por que isso acontece?

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Existem vários fatores que explicam o porquê de o Oscar ter decaído. Várias pessoas apresentam argumentos sobre isso, o principal deles é a influência do mercado de streaming. O mercado de filmes cresceu e isso fez com que o Oscar perdesse a relevância.

Para mim, isso soa como uma desculpa meio esfarrapada.

Foi semelhante a isso o argumento de Hollywood quando ela saiu da Era de Ouro. Na época, culparam a TV, sendo que ela já estava há anos no mercado.

Supostamente as quedas nas bilheterias teriam a ver com as pessoas assistindo filmes do conforto de suas casas.

Em parte, há algum fundo de verdade nesta fala. Uma nova tecnologia surge e a mística da sala do cinema já não é mais a mesma. Há uma grande diferença entre como as coisas aconteceram em 2022 e em 1940.

Mas o marketing digital tem avançado, as pessoas poderiam explorar novos métodos de divulgação e comercialização dessa grande cerimônia.

O prêmio está recheado de participantes que são relevantes, cheios de seguidores nas redes sociais. Há muitas possibilidades para explorar melhor tudo o evento.

Analisando esse cenário, creio que culpar os streamings não passa de uma desculpa, afinal. os filmes dos streamings também aparecem no Oscar.

Embora haja um fundo de verdade, não me parece que o impacto do mercado de streaming seja o único fator.

Outras pessoas vão argumentar que o Oscar perdeu a relevância porque o cinema americano perdeu relevância.

Isso realmente parece algo mais consistente. O cinema norte-americano antigamente dominava. Fora dos Estados Unidos, só haviam produções cults ou de baixa qualidade.

E com a melhora da tecnologia, é mais fácil comprar equipamentos bons, logo, o cinema de outros países podem conquistar seu espaço.

A solução que o Oscar encontrou para contornar esse problema foi premiar filmes de fora dos Estados Unidos. Esse argumento tem alguma relevância, mas ainda não me parece ser o verdadeiro problema.

Outro argumento que costuma ser dito sobre o Oscar é que simplesmente o prêmio estava inserido em um contexto diferente em relação às produções e às celebridades.

Nesta época, as pessoas tinham mais contato com a cultura dos reality shows, isto as aproxima da televisão e da figura das celebridades.

Mesmo hoje essa realidade não mudou. As celebridades seguem tendo muitos seguidores e sendo influenciadores nas redes sociais, muitas destas que trabalham no ramo do cinema.

Não me parece que a perda da cultura das celebridades seja o motivo. Qual é o principal motivo da decadência do Oscar?

Por que o Oscar está em decadência: minha opinião

Todos esses pontos que foram citados eu creio que tem uma relevância razoável. O principal fator é que não existe mais a mística da arte do cinema, como existiu no passado.

E o que eu quero dizer com isso? Na Era de Ouro de Hollywood havia um grupo de diretores, artistas e pessoas que criaram o cinema que era amado pelo mundo inteiro. Os filmes tinham muitos valores familiares, profundidade literária, eram focados em histórias.

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Nos anos 30 e 40, o cinema bebia muito da literatura, os filmes muitas vezes eram adaptações de um rico universo cultural. Nesta época, as pessoas tinham ainda muito forte o costume de ler.

Quando iam ao cinema, as pessoas viviam experiências completas: do teatro, da literatura e do cinema. Uma mesma obra em diferentes perspectivas e adaptações.

Nos anos 80, com a volta dos filmes blockbusters, as pessoas têm interesse redobrado nas peças, mas já há uma desconexão entre o cinema popular com o cinema que é premiado no Oscar.

Os ganhadores do Oscar nos anos 80 e os filmes que bombam na época já não são compatíveis, com raríssimas exceções.

Nos anos 30 e 40 não era assim. Existem disparidades, mas os filmes que eram premiados tinham uma conexão maior com o público. Este é um dos primeiros fatores.

Há uma desconexão entre o que é premiado e o que o público de fato aprecia. Isto porque se privilegia menos emoção, dimensão psicológica interna dos homens e valoriza-se muito mais linguagem, estruturas sociais.

Essa mudança não é de hoje, os cinemas dos anos 70 já tinham isso. O cinema blockbuster foi se desconectando ainda mais da história clássica.

É um hiato tão grande que as produções de hoje que são consideradas cults ou blockbusters, não ecoam mais narrativas clássicas.

Perderam-se as fórmulas clássicas da jornada do herói, da redenção. Estes são pontos cruciais no cinema do Hitchcock, Frank Capra, do David O. Selznick - O Mágico de Oz, O Vento Levou. Eles tinham um apelo de profundidade, misturado com densidade humana, histórica.

Por isso, esses filmes eram capazes de mobilizar grandes multidões para o cinema. As histórias eram de fato profundas. Hoje em dia ou se mobilizam multidões para o cinema, ou se tem histórias que são profundas e não mobilizam ninguém.

Essa disparidade, esse divórcio ocasiona muito disso. Há outro fator importante: existe uma desconexão das celebridades com o público hoje.

Mesmo sendo muito populares, não há vínculos reais entre povo e artistas. Um exemplo: os discursos do Oscar são muito politizados, muito progressistas, dificilmente terão um apelo popular.

Até os anos 90 essas questões eram bem mais comedidas. Haviam poucos casos de atores politizando discursos, o mais comum foi Marlon Brando recusando receber o Oscar por protesto.

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Mas hoje há um discurso que irrita o público e esta irritação é claramente visível na falta de interesse das pessoas.

Uma das figuras que foram chave para isso foi Harvey Weinstein. Weinstein foi condenado após diversas denúncias de abusos sexuais contra mulheres. Uma história horrível.

Weinstein foi quem aproximou o Partido Democrata do Oscar, portanto fomentou essa conexão ideológica tão direta. E isso criou uma crise de representação muito grande, as pessoas perceberam a corrupção do sistema.

As elites do Oscar hoje, que são muito proeminentes nas premiações, hoje geram aquele feeling na população estilo Jogos Vorazes. Olha os cabelos diferentes que usam, as roupas exóticas, têm comportamentos e valores tão diferentes.

As pessoas, diante deste quadro, não conseguem ter empatia e se identificar com as estrelas.

O cidadão comum hoje quer ver Vingadores, mas nem este filme vai agregar valor para ser chamado de clássico ou vai receber um prêmio notório. Eles apenas têm o mérito de ser uma grande produção.

A experiência de assistir a Vingadores e O Vento Levou são coisas completamente distintas. Assim, cria-se a seguinte situação: o povo olha para o Oscar e vê uma elite completamente desconectada dele.

Por outro lado, as pessoas do Oscar observam os filmes que o povo gosta e ficam com um preconceito razoável. Tudo isto cria um atrito.

Não existe mais a mística do cinema, não há mais a conexão entre público e crítica. Como a indústria cinematográfica vai construir essa sinergia?

Fora esses pontos, gostaria de ressaltar mais outros que interferem em menor medida:

  • envelhecimento da televisão;
  • os novos serviços de streaming;
  • as produções independentes ao redor do mundo.

O Oscar ficou defasado com o tempo.

Veja que curioso: eu trabalho na indústria do cinema e um dia desses recebi um anúncio dos premiados do Oscar, minha reação na hora foi pular o anúncio. Eu não vi nenhuma relevância para nada no meu dia a dia. E eu literalmente trabalho com produção e aquisição de títulos.

Tudo isto é sintomático.

As pessoas já viram que há uma conexão das grandes indústrias com o Oscar. Isso dá uma preguiça.

Como resgatar o Oscar?

Em geral, acredito só em uma solução, não para o Oscar, mas para se ter um prêmio respeitado: restaurar histórias que signifiquem algo para o grande público e que tenham um valor de história, de narrativa, de profundidade, ao mesmo tempo que possam ser apreciadas pelo gosto público.

É importante valorizar os criadores independentes, criar uma comunidade internacional que consegue compartilhar certos valores na hora de contar histórias. E explorar as novas plataformas de uma maneira inteligente.

O ideal seria resgatar os legados, mas não vamos conseguir voltar à Era de Ouro de Hollywood. Francis Ford, Frank Capra, sinto falta de todos eles, mas temos agora de pensar em outras coisas.

Não vejo mais uma salvação para o Oscar, toda a pauta ideológica foi destruindo o prêmio e o modo como procederam, aproximando-se de elites corruptas, tudo isto foi acelerando sua decadência.

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