Há uma crença corrente na sociedade brasileira: a idéia de que exista uma coisa chamada “machismo estrutural”, que geraria uma “cultura de estupro”. Seria a explicação abstrata, acadêmica e gourmetizada para casos de crimes que chocam qualquer um, como a grávida estuprada por um anestesista durante um parto por cesárea no Rio de Janeiro.
Apesar de pomposa, esta crença gera uma distorção esquisita: seria um ente abstrato, o “machismo”, que causaria estupros. O pior é que este mesmo termo - “machismo” - é utilizado para descrever fatos distantes de uma violência absurda: chamamos de machismo a maior média salarial entre homens, a proibição do assassinato intrauterino de bebês, um homem explicar algo para uma mulher ou abrir a porta do carro.
Ou seja, uma abstração porosa, de definição imprecisa e vaporosa como “machismo” parece ser o sujeito agente em várias situações completamente distintas, como “o machismo gera estupros de grávidas por médicos” e “o machismo impede que tenhamos 50% de mulheres CEO de empresas”, ou “furunfei e engravidei, e não consigo matar meu filho para continuar minha vida normal por conta do machismo”.
Se quer uma boa definição da modernidade, esta ajuda bastante: a sociedade guiada por teorias que soam acadêmicas, complexas e danbrownianas, mas cujo verdadeiro público-alvo são as massas.
São palavras cheias de “-ismos” e “-fobias”, que basicamente dizem “todos os problemas da sua vida são culpa de haver uma moral pública que não nos permite acasalar em público a cada 20 minutos, e ainda ganhar por isso”.
Parece chic dizer algo como “machismo estrutural”, admita. Mas é na verdade tema de conversa do Saia Justa, amigx. Um termo a ser repetido indeliberadamente por funkeiras e por 11 em cada 10 blogueiras com cachorros veganos e trejeitos como “tipo, se o rolê não tiver tipo um carinha foda que tipo me deixe sair com outros caras tipo eu já nem respondo no Zap, porque é machista, tá ligado?”
E assim, aquelas palavrinhas que se parecem tão high class são deslindadas a olho nu, e o que é revelado são apenas… modismos. Reducionismos de fácil repetição para o vulgo. Nada de inteligente e pesquisado e profundo, mas justamente fast-food pseudo-intelectual para servir como bordão irrefletido pela manada.
É com este tipo de cacoete - perfeito para dar voto para ditador corrupto porque o outro lado é "machista" - que hoje vemos pessoas se achando extremamente inteligentes e modernas por descrever um estupro com o mesmo termo que forçam para se referir a abrir a porta do carro para uma mulher. E achando que compreendem mais da realidade com isso, e não menos.
E taca-se tudo no bolo informe e monstruoso do "machismo": de fazer escova no cabelo a não termos transexuais bilionários (também deveriam questionar por que não existem transexuais de 80 anos, mas parece que essa pergunta incomodaria um pouco), de o padrão de beleza envolver fazer academia até a disparidade estatística de salário entre homens e mulheres.
Ignora-se, por exemplo, que homens começam a trabalhar mais cedo, são maioria em profissões técnicas e nas exatas, além de escolherem profissões perigosas. Também não fazem a conta de que homens pagam pensão e trabalham para pagar o auxílio-maternidade (ou ele não existiria). E que mulheres só trocaram os filhos pelos chefes porque a Primeira Guerra Mundial matou a maioria dos pais de família da Europa, o que as levou a abandonar os filhos e tornarem-se empregadas a contragosto. Mas essa é uma explicação muito mais difícil do que repetir bonivamente o bordão do marketing: "machismo".
Tudo para criticar a tal "moral" e substituí-la por outra. Assim, um crime não é mais algo a ser punido por homens preparados para o combate, e sim algo estrutural (como adoram essa palavra!) da sociedade. Se alguém faz o mal a outrem, é a sociedade que precisa mudar, e não quem faz o mal.
É a troca da confissão e da punição pela revolução. É a culpa coletiva. É a setorização do mal.
Ora, se a culpa do estupro é do "machismo" (ou seja, de tudo o que se considera negativo em homens, e logo começa-se a culpar o que é positivo com o mesmo termo), então basta-se acreditar que cortar todos os trojuncos do mundo acabará com os estupros.
Mas aí, sempre a feminista vai ter um pai, um namorado, um amigo gay que juram que nunca estupraria ninguém. Ou seja, nem todos os trojuncos "sistêmicos" vão gerar mais segurança. Ora, então a culpa é de alguns homens, e não de todos, certo?
O mesmo com as armas: acaso um revólver nas mãos de uma feminista ou um amiguinho delas geraria necessariamente um genocídio? Senão, o problema não está nas armas, mas que algumas pessoas são más - e não "a sociedade" ou outros entes abstratos, genéricos, plurais e indefinidos (sempre lidam com termos com estas características).
Não dá para chamar o anestesista estuprador de uma grávida parindo de "machista", e na linha seguinte dizer que explicar trigonometria para uma mulher é "machismo" - ou se oferecer para pagar conta (ou dividir - alguém sabe qual dos dois é machista?).
Pode apostar que as mesmas pessoas da culpa coletiva - ou seja, os seguidores de modinhas feitas por marqueteiros pra vender tralha feminista e as revolucionárias fazerem o capitalismo girar - são as mesmas que acreditam em "encarceramento em massa". Que o Brasil "prende demais". Que a função "social" da pena é a… reintegração na sociedade.
Vamos perguntar então, longe da abstração para estúpidos que acreditam em Foucault e diante da realidade concreta: você acha que só devemos punir o anestesiologista estuprador até ele ser reintegrado na sociedade?
Reparou como toda a logorréia de "-ismos" e "-fobias" transparece-se como estulta que é, ao ser colocada diante de um simples caso concreto?
Onde estão as feministas gritando por mais tempo de cadeia? Por castração química? Por punições exemplares?
Pior: o estupro é parente do assassinato, não de deixar a mulher ficar com o único guarda-chuva. O estupro é parente do tráfico de drogas, que muitas feministas financiam - ou você acha que há mais estupros no Opus Dei ou num baile funk?
Quem rouba tem mais chances de estuprar um dia. Quem estupra tem mais chances de matar. É isso que chamamos de "mal". É isso que a tal "moral cristã" quer combater. E justamente esse parentesco que não é mais notado pela inteligência de feministas e progressistas: porque acreditam em palavras da modinha, sem notar as conseqüências de atos concretos.
Fiodor Dostoievsky, que flertara com o socialismo e vivia no auge do niilismo russo, já havia percebido o problema. Ao pensar em criar um romance psicológico sobre um assassino, quase uma confissão em primeira pessoa, acabou criando a primeira parte sem psicologia nenhuma: apenas a descrição fria e crua de um jovem cheio de "meias idéias", que só servem como justificativas chãs para seus ímpetos.
Dá para acreditar que Raskolnikov está sendo um grande filósofo e revolucionário ao dar uma machadada num crânio no começo de Crime e Castigo, ou parece apenas um rompante mal ajambrado?
Curiosamente ninguém quer associar comunismo, socialismo e revolução com o gulag, os extermínios por fome, os genocídios de milhões (inclusive por razões étnicas, como os de Slobodan Milošević). Mas associar um estuprador com alguém fazendo piadas com estética feminina está liberado.
Não é mais fácil, mas é bem mais profundo e verdadeiro pensar no mal como mal: como o impulso diabólico ao qual só se consegue vencer vivendo pela graça - e justamente por aquilo que feministas chamam de "moral ultrapassada".