O bilionário sul africano Elon Musk comprou o Twitter. Basicamente, os noticiários e comentadores afirmam que a direita americana está comemorando muito e que a esquerda está em pânico. É possível explicar por que nos Estados Unidos o cenário se desenhou dessa forma e por que aconteceu essa compra.
O Twitter é uma empresa que tem ações públicas, elas podem ser compradas por qualquer pessoa. Para administrar essas ações públicas, o Twitter tem um Board, um conjunto de diretores que toma decisões pela empresa.
No entanto, somando as ações dos membros desse conjunto de diretores elas dão um valor próximo a algo entre 3 e 4% da empresa.
Jack Dorsey foi CEO do Twitter e um dos criadores da plataforma, ele tem apenas cerca de 2,5% da empresa. Ou seja, o próprio Board da empresa não tem muitas ações.
Mas o Board tem uma responsabilidade fiduciária pelos acionistas. Desse modo, ele é obrigado a prezar por seu interesse financeiro.
Elon Musk havia feito uma proposta para o Twitter e o Board não queria aceitar. Consideraram até fazer a estratégia de poison pill, que consiste em uma série de manobras para impedir que uma outra pessoa tome a sua empresa, para que ela não consiga comprar.
Normalmente, quando uma empresa é comprada independentemente da vontade do Board, tal ação recebe o nome de hostile takeover - quando um comprador de maneira hostil consegue tomar a empresa de outros.
Há muito tempo, Elon Musk apresentava queixas contra a liberdade de expressão no Twitter. Sua cartada final foi comprar a empresa.
O investimento foi muito alto: são 44 bilhões de dólares investidos na compra da rede social. É um valor realmente gigantesco, a título de comparação, o bilionário Donald Trump tem 2,5 bilhões como fortuna.
Elon Musk basicamente conseguiu levantar 44 bilhões de dólares. Seu interesse é fechar a empresa, de modo que ela não tenha mais ações publicamente comercializadas. Diz que vai fazer isso para melhorar a liberdade de expressão, para ampliá-la.
Hoje, há muitos queixando-se da falta de liberdade de expressão nas redes sociais. Os que mais comemoram a compra de Musk, em geral, são os cancelados, deletados ou que têm seu alcance restrito nas redes sociais. A proporção vista até então mostra mais pessoas alinhadas à direita com restrições nas redes sociais, do que pessoas alinhadas com discursos de esquerda.
O Twitter é particularmente uma rede social muito conhecida nos Estados Unidos pelo cancelamento e por agregar um público dito progressista.
Os progressistas tendem a usar o Twitter para definir pautas e para se comunicar com a mídia tradicional (ou Grande Mídia). Jornalistas e influenciadores usam muito a rede, o que eleva a importância estratégica da rede.
Por outro lado, o Twitter colaborou em grande parte da eleição de Donald Trump, ainda que posteriormente ele tenha sido excluído - banimento que impactou a muitos.
A direita americana parece assistir a compra de Elon Musk do Twitter com esperança, em partes também por sua relação com Peter Thiel.
Thiel é um bilionário do Vale do Silício. Ele foi um dos investidores do Facebook, hoje atua como investidor anjo e administra o famoso Founders Fund.
Peter Thiel financia a maior conferência conservadora dissidente dos Estados Unidos, a que participam os conservadores nacionalistas, que é diferente da mainstream, a CPAC.
A Netcom também é mais ligada ao Peter Thiel e é muito ligada ao Vale do Silício. Ela conta com mais ideias diferentes, por exemplo ideias monarquistas. Um de seus membros, Curtis Yavin, é influente sobre o Thiel.
Basicamente, por conta dessa congregação de conservadores nacionalistas, Peter Thiel fundou junto com Elon Musk o Paypal.
Elon Musk recentemente teve contato com Jordan Peterson e Donald Trump. Ele fez parte de um conselho do ex-presidente. Acabou não dando certo o conselho, mas Musk se envolveu em uma rede de contatos que envolveu Trump, Thiel e Steve Bannon, marqueteiro chefe de Trump. Isso deixou a direita americana mais esperançosa em relação a Elon Musk.
Existem muitas críticas ao Elon Musk também, por parte dos conservadores. Uma delas é a sua empresa Neuralink que faz experimentos envolvendo chips. As pessoas associam isso ao transhumanismo.
O Elon Musk em si defende que não é essa linha que sua empresa toma. Na verdade, ela seria uma forma de prevenir os perigos da Inteligência Artificial.
Independente dessa polêmica - se a Neuralink é boa ou não -, o fato é que é quase um consenso na direita americana comemorar a compra do Twitter. Entendem que o Twitter basicamente é uma rede muito progressista e que qualquer coisa que aconteça é uma evolução.
Se o Elon Musk melhorar 10% a liberdade de expressão no Twitter, a direita americana entende que ela já vai ter muito mais espaço. Essa é a percepção geral.
Por isso, pessoas tão diferentes como o Curtis Yavin, um monarquista reacionário, e Ben Shapiro um conservador mais tradicional, estão empolgadas com a ideia.
Musk também tem também um apoio razoável no meio libertário, ele investe em criptomoedas.
Muito recentemente ele se aproximou dessas personalidades conservadoras, o que empolgou os defensores desse grupo.
Acompanhando o Twitter dele no último ano, há uma grande quantidade de postagens que vai em uma direção diferente da que o establishment e a grande mídia tomaria.
O Jeff Bezos compartilhou uma matéria do Glenn Greenwald, um jornalista de esquerda que também atua no Brasil, falando da relação do Elon Musk com intelectuais de esquerda. Uma matéria muito crítica ao Musk.
Elon Musk teve recentemente seus atritos com Bill Gates. O fundador da Microsoft e Jeff Bezos são, talvez, os dois bilionários mais importantes e influentes hoje que têm uma atuação bastante forte na esquerda americana.
Jeff Bezos é dono do Washington Post, e Bill Gates nos anos recentes teve uma série de discursos indo na linha do progressismo americano. Este é, mais ou menos, o cenário que está desenhado.
Além do mais, há reações muito engraçadas no Twitter, algo como foi na época da eleição de Donald Trump. Há pessoas reclamando do fim do mundo, ameaçando sair do Twitter. Alguns demonstram loucura e histeria.
Mas essa reação não é uma regra. Em toda parte há pessoas insatisfeitas com o modo como os algoritmos da rede social funcionam. Não se sabe ao certo como eles funcionam, quais os critérios de bloqueio ou shadowban.
Alguns dos que não gostam do Elon Musk também possuem motivos para certa felicidade com essa movimentação porque acham que ele trará inovação tecnológica. Musk tem fábricas nos Estados Unidos, onde ele desenvolve bastante tecnologias, inovações e onde investe muito capital.
Para o Twitter, ele promete mais transparência:
Por isso, muitos que não confiam no Elon Musk gostam da perspectiva de que ele vai melhorar essa parte das redes sociais. O bilionário é pouco conhecido no Brasil, mas sua imagem já tem grande destaque nos Estados Unidos.
Elon Musk nasceu na África do Sul, seus pais têm ascendência europeia. Teve uma infância muito complicada, mas sempre foi tido como uma criança muito inteligente. Mudou-se para os Estados Unidos para começar seus estudos e sua carreira e acabou vivendo a clássica história de empreendedorismo de garagem. Passou por essa experiência no Vale do Silício, onde conquistou uma fortuna considerável com sua primeira empresa, a Zip2.
Basicamente, Musk apostou nas mídias digitais como o futuro dos veículos de comunicação.
Investiu também na X.com, uma empresa de pagamentos que lançou as bases do Paypal. No Paypal, Musk teve contato com diversas pessoas importantes como Peter Thiel, além de aumentar seu patrimônio.
Com esse dinheiro, Elon Musk investe em novas ações e novos ramos tecnológicos. Em duas empresas investiu de forma mais proeminente:
Mais uma vez, aumentou consideravelmente seu patrimônio. A SpaceX gerou muitos gastos e um bom retorno, e a Tesla cresce exponencialmente. Muitos chegaram a dizer que Musk seria trilionário.
Toda a polêmica em torno de sua figura é porque recentemente Musk tem tomado posturas mais conservadoras:
Suas postagens recentes indicam ao menos que ele está insatisfeito com o atual establishment e como as coisas têm sido feitas.
Há um padrão nos investimentos do Elon Musk. Ele lida com várias áreas que antecipam coisas do futuro, em setores estratégicos. Musk não só está preocupado com o futuro, mas está preocupado com a estrutura do poder.
Investe e fala em criptomoedas, algo que tira muito poder dos bancos, um meio de pagamento alternativo. Elon Musk promove até o Dogecoin, uma moeda que é um meme, mas ele investe nisso.
Investe em robôs, o que provavelmente será o futuro tanto na parte militar quanto na parte do trabalho, na Neuralink, a conexão do cérebro com a máquina.
É um investimento arriscado. A inteligência artificial pode ser um dos maiores causadores de problemas sociais, mas Elon Musk se mostra crítico à essa tecnologia.
Sua postura pode ser tomar a dianteira em uma nova tecnologia para não levá-la à esse caminho hostil à humanidade.
Existe na tecnologia de carros elétricos uma preocupação ambiental e a tecnologia da direção automática, independente de um piloto humano, Musk tem investido bastante nisso.
A energia solar ou elétrica nos carros é também uma forma de tirar o poder do Oriente Médio, dos cartéis petrolíferos.
Por fim, Elon Musk investe na internet, um ponto essencial da atualidade. Basicamente, ele tem uma mão em cada uma das áreas fundamentais. A área que faltava era a mídia, a difusão de informação. Por isso o interesse em investir no Twitter.
Elon Musk demonstra ser um homem de forte estratégia social e está a caminho de se tornar uma pessoa muito influente. Mas ainda não é possível dizer se ele é alguém de fora do establishment ou parte dele - ainda que de forma exótica.
Ele ao menos se demonstra como um grande defensor da liberdade de expressão.
Existem padrões de comportamento nas empresas, nas falas e nos investimentos de Elon Musk:
É possível entender seu envolvimento com essas questões a partir das obras que o influenciaram.
As influências apontadas nesta seção são frutos de livros indicados pelo próprio Elon Musk. O bilionário é fã de ficção científica e isso explica bastante do seu imaginário.
Duna é um livro de Frank Hubbert, um escritor de discursos do partido Republicano. Ele dedicou bastante tempo de estudo e pesquisa na área ambiental. Em seu livro, criou um futuro onde a inteligência artificial estava destruindo os homens.
Há uma grande briga entre os Atreides, representantes de uma cultura europeia mais tradicional, que se defronta com os Harkonnen, uma espécie de cultura satânica que está mancomunada com uma oligarquia que explora os planetas.
O protagonista, Paul Atreides, une uma série de elementos em torno da sua reivindicação pelo poder. A tradição, elementos políticos e espirituais, junto de uma cultura de preservação da natureza contra os males da inteligência artificial.
Um livro de Isaac Asimov que fala de um império decadente, uma oligarquia que está descolada da realidade. Diante desse cenário, é necessário preservar o conhecimento para evitar um colapso total da civilização.
Nos dois primeiros livros há o tema da decadência da sociedade associada à tecnologia e, ao mesmo tempo, uma espécie de fórmula para fugir disso.
Pode parecer descolado do tema da tecnologia, mas o Senhor dos Anéis apresenta esse elemento na obra. Há duas imagens de tecnologia na obra: a dos elfos, usada para o bem, e a dos orcs, para o mal.
Saruman representa a modernidade. Um ditador globalista, totalitário, membro corrompido do clérigo e que acredita ser mais inteligente que todos . O palantir, que ele usa na obra, etimologicamente significa televisão.
Saruman representa a corrupção moderna. Essa corrupção está presente nas fábricas dos orcs, elas promovem a destruição da natureza e uma visão utilitarista da vida, além de criar mecanismos de destruição do homem.
Livro do grande investidor do Vale do Silício Peter Thiel. Ele critica a forma atual de como as cidades são administradas de forma oligárquica. Ele vê os algoritmos atuais que administram as cidades como uma forma de atraso ao verdadeiro progresso tecnológico.
Para promover esse crescimento, é necessário uma autoridade forte, para Thiel.
Um dos grandes mentores dos Estados Unidos, uma figura marcada por uma história de empreendedorismo, descobertas tecnológicas e realizações sociais.
Temas recorrentes nesses livros:
Por fim fica a polêmica que é uma dúvida: se Elon Musk vai tomar um caminho de bons valores ou maus valores, se com toda essa bagagem e influência ele vai fazer algo de bom ou ruim.