Flavio Morgenstern
Língua morta - Livros velhos, metafísica mofada, linguagem ultrapassada, guerra e fim do mundo.
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​​A ascensão do capitalismo “woke”

Por 
Flavio Morgenstern
18/5/2022
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Você compra um hambúrguer e ganha propaganda feminista. O aplicativo de carona quer controlar seu “discurso de ódio”. E seu carro só dá a ré. Conheça o capitalismo “woke”.

Tudo o que é feito na América é logo macaqueado no Brasil como a mais original das novidades e mais perfeita explicação ideológica sobre o nosso entorno, com análise e solução na mesma toada. Foi assim com o modernismo (o que transformou as cidades brasileiras, mesmo as ricas, nas mais feias do hemisfério), foi assim com teses racialistas como se vivêssemos o Mississipi dos anos 70. Agora chegou a vez do capitalismo “woke”.

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Enquanto economistas discutem o papel da intervenção do Estado no mercado (quase sempre sem notar que o agente estatal e o agente mercadológico costuma ser o mesmo ente) e a disputa ideológica ainda usa termos de Guerra Fria, a nova revolução é a cultura “woke”. Ou seja, empresas que “acordaram”. Que têm preocupações sociais. E parecem mesmo estar mais preocupadas em transformar o mundo em um lugar melhor do que em lucrar.

E, claro, lucrar mais dizendo que estão mais preocupadas em transformar o mundo em um lugar melhor do que lucrar.

Você não verá deputados socialistas do PSOL ou mesmo do PCdoB hoje tentando ganhar votos garantindo que vão estatizar o Facebook, ou lutando pela participação sindical no conselho da Andrade Gutierrez ou, oh, horror, reclamando dos lucros do Magazine Luiza e achando o Queermuseu patrocinado pelo Santander uma exploração da sexualidade alheia para os pornográficos lucros do capital especulativo internacional não-produtivo (alô, Luciana Genro!). Esquematismos de professores são para passar na prova, mas a realidade nunca será abarcada por acadêmicos que utilizam palavras como “sexualidade” e "interseccionalidade".

Ao invés de estatizar, basta realizar a fusão perfeita entre Estado e mercado, no puro plano ideológico: as empresas promoverão ideologia militante, fanática, materialista nos piores sentidos (consumista e imanentista, consumando a expressão de Oscar Wilde: “As pessoas sabem o preço de tudo e o valor de nada”) e impedirão que alguém produza e venda sem ser assaltado não apenas pela mão pesada dos impostos, mas pela propaganda consumista e comunista na mesma toada.

Basta tentar vender sua tralha sem rezar segundo a cartilha e você estará fora do mercado, demonizado e acusado de desinformação e discurso de ódio. Talvez até investigado por uma CPI.

Marcelo Freixo não quer que o Zuckerberg deixe de lucrar bilhões com o Facebook - só quer é que haja um mecanismo de controle de informações para ganhar eleições e parecer ser "científico" e a Verdade Revelada no Sinai e Encarnada em Belém porque uma agência de "checagem de fatos" classificou seu inimigo como "negacionista" e "espalhador de fake news". 

Nada de críticas à "concentração de renda" ao lidar com Big Techs: o que importa é concentrar o poder decisório sobre narrativas permitidas no mínimo de mãos possível - desde que sejam suas mãos, claro.

Tabata Amaral não está nem um pouco interessada em criticar os lucros exorbitantes do setor privado de educação, que fica com a bolada do FIES (não é dinheiro público para pagar um curso superior privado?). Alguém já a viu usando os clichês da esquerda de uns anos atrás, como “mercantilização da educação” ou “educação não é mercadoria”? Longe disso: é difícil imaginar a menina do Lehmann atacando o sistema bilionário que a colocou ali para defender um mercado de venda de diplomas transformado em oligopólio.

(Tabata Amaral, a nova política, renovadora e questionadora, criando um país bem diferente daquele das velhas oligarquias, quod erat demonstrandum. Fonte: Conversa Afiada)

O capitalismo “woke”, porém, revela-se mais visivelmente no fator propaganda. Hoje é difícil comprar algo das grandes empresas sem comprar junto a mais fina propaganda esquerdista.

Quer comprar uma calça? Nos fundilhos virá propaganda pró-GLS. Quer comprar um café? Ele já vem avisando que é um café vegano (como se existissem cafés carnívoros, mas ele avisa). Pensando em um jogo de tabuleiro? Já virá com cartinhas com linguagem neutra. Você enche o tanque e está financiando o Black Lives Matter. Se comprar um tênis, inclua críticas aos religiosos no preço - exceto, é claro, na hora do "Refugees welcome". Absorvente sem dizeres pró-aborto parece coisa dos anos 50.

E quem não se lembra daquele cartão com propaganda contra o patriarcado? Enquanto a universitária se acha super descolada contra o sistema por dar dinheiro pro banqueiro com punho levantado e tomando cerveja de 20 conto na Vila Madalena, se eu fosse banqueiro também iria criticar o patriarcado. Nada melhor para endividar jovem e encher a burra do que fazê-lo torrar com prazeres imediatos sem preocupação geracional.

Quer um mero chinelo? Bom, tem a versão de R$ 20, que é branco com fundo azul calcinha (a marca distintiva do brasileiro), ou a versão com arco-íris ghey que custa R$ 60. As marcas estão pensando no seu bem estar, meninx.

Tem de tudo: o carro que só dá a ré. A livraria de gênero neutro. A cafeteria feminista onde homem paga mais porque é gado. A Disney apagando conteúdo e avisando que desenho de fazendeiro, cowboy e princesa faz parte do “racismo estrutural” do qual a empresa não mais comunga. A revistinha da Mônica combatendo “fake news”. O Magazine que fala presidenta. O jornal com controle sobre textos racistas. O restaurante Fora Bozo. O sabonete anti-sexista.

Isso sem falar na propaganda sexual cada vez mais infantil. O desespero pelos instintos mais primitivos (e venda não é instinto inferior?) é tão forte que só falta alguém algum dia inventar uma propaganda de sandália com a Anitta cagando.

Ah, espere, não falta mais: deixe com a Arezzo que fez o close para mostrar que você não vai mais ter um chinelo sem propaganda ideológica envolvendo movimentos peristálticos contra os conservadores.

https://www.instagram.com/p/CZdayomjYOH/

E sim, a sacada foi falar "brizza", porque o cheiro do tolete da Anitta é um valor a ser copiado, inspirado e vendível para anitteiros. Antigamente diziam que se você tirasse o cheiro da merda e vendesse como doce de banana, o brasileiro comprava. Agora basta dizer que o cheiro é da merda da Anitta e voilà!

A distinção maniqueísta entre Estado e mercado na qual fomos educados já foi borrada há muito. E todo mundo precisa entender que o capitalismo atual usa a propaganda da esquerda para criar o que grandes conglomerados mais querem: monopólios e controle político sobre as pessoas - o tal “mercado”.

Teve toda uma pandemia que passou com uma CPI buscando instaurar um totalitarismo, feita por raposas do centrão e comunistas linha dura, sem pedir, por exemplo, a quebra da patente de nenhuma das vacinas. As marcas eram elogiadíssimas e defendidas do escrutínio do povo pela esquerda - a mesma esquerda que denunciava as mesmas marcas nos anos 80, como AstraZeneca e Pfizer, como filmes como O Jardineiro Fiel não deixam mentir. 

E peça para órgãos do governo fiscalizar as empresas. Logo irá notar como o Estado defende aguerridamente as marcas privadas e vice-versa, ao ponto da fusão.

Chegamos ao momento que Lenin (!) antevira: o capitalismo entrando em uma fase de monopólio. E, sendo o mercado amoral, a amoralidade vira um bem a ser vendido. 

Hoje temos apenas 11 conglomerados de capital financeiro (ou seja, não produtores, mas apenas ganhadores de dinheiro vendendo dívidas para o povo) que são donos de mais de 90% das grandes marcas. 

Aos liberais que acreditam em “livre concorrência”, estamos chegando em um ponto em que a concorrência é mero formalismo externo: os donos são cada vez menos pessoas. E adivinhe se esses agentes não têm cada um o seu senador de estimação, ou mesmo um presidente - quando não são eles próprios os agentes estatais? Ou podemos definir se George Soros, Bill Gates, Clinton Foundation, José Paulo Lehmann ou as famílias Marinho, Rothschild e Rockefeller são agentes históricos privados ou estatais com 100% de certeza?

Este é o momento que foi analisado por muitos analistas que pensam fora da caixinha das dicotomias, e foi chamado pelo filósofo Olavo de Carvalho como metacapitalismo: quando a elite econômica vira um oligopólio por si. Uma nova classe acima das leis - e definidora das leis. Vivemos em uma sociedade na qual os termos de uso de uma rede social, sem clareza nenhuma além de "combater fake news e discurso de ódio" (todos termos móveis e abertos), valem mais do que uma Constituição garantindo liberdade de expressão.

O termo "capitalismo woke" já é de uso corrente na América. Vai demorar quanto pra ser macaqueado por aqui, pelos nossos jovens oligopolistas que querem vender o futuro por dívidas simplesmente porque elas vêm com arco-íris e podem ser pagas com o cartão empoderado?

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