Horácio, lá na Roma antiga, disse que “começar é ter metade do trabalho feito”.
O mesmo Horácio aconselha Leucônoe com sua famosa frase “carpe diem quam minimum credula póstero*”, ou "colhe o dia quanto menos confia no amanhã".
A menina andava pensando tanto no futuro – e na sua morte – que não vivia o presente.
Como aquele personagem de Tchecov, que fazia, fazia, fazia e um dia concluiu: 47 anos e não fiz nada.
Por ansiedade de querer fazer tudo ou por preguiça de não querer fazer nada.
Por aversão à rotina ou pela inversão da ordem.
Por isso ou aquilo, o fato é que viver nossos dias de forma desordenada, de qualquer jeito, é viver nossos dias de jeito nenhum.
Um adulto sem uma rotina bem estabelecida está fadado a passar seus dias – e sua vida – fazendo de tudo um pouco ou de nada um muito. E ainda dizendo pra si mesmo depois de um ano inteiro (ou de uma vida inteira): não fiz nem metade do que queria fazer.
“A vida cotidiana às vezes parece-se com o fluxo da água que escapa de um cano furado. Ninguém repara, vai escorrendo, e o tanque fica vazio”.
Com uma rotina ordenada, temos controle do fluxo da água.
Sem ordem, até mergulhar nos livros, na comida, nos estudos ou no exercício físico pode nos afogar.
Leitura recomendada: o que é vício?
Àqueles que fogem da rotina ou vivem de forma desordenada, o que falta é ver seus dias com amor. Falta a renovação do coração, do modo de ver e amar as coisas e as pessoas. (Aliás, pessoas e coisas "novas" só são novas num primeiro momento. Depois são apenas pessoas e coisas)
Tem aquela história de Chesterton sobre o inglês entediado por morar sempre na mesma ilha, e por isso foi à procura da terra dos seus sonhos.
Viajou muito e nenhum dos países onde aportava o satisfazia. Depois de muito viajar, já cansado, viu uma terra que o atraiu muito.
Então desembarcou, sentiu o território e, todo entusiasmado, concluiu:
“Esta é a terra dos meus sonhos, a que sempre andei procurando”.
Perguntou para um dos habitantes onde estava e ouviu:
“Na Inglaterra”.
Não culpe a rotina.
Olhe para dentro, ponha ordem – e amor – na sua vida. Nos seus dias, nas suas horas.
Será questão de tempo, bem pouco tempo, pra você abrir os olhos e encontrar, enfim, a sua própria Inglaterra, aquela que você sempre andou procurando.
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*A frase é extraída de Odes I, 11.8, de Horácio. As Odes (em latim: Carmina), 103 poemas reunidos em quatro livros, foram dedicadas ao protetor do poeta, Mecenas.